No Brasil ocorrem em torno de 1.000.000 acidentes com queimaduras ao ano, sendo que 100.000 procurarão atendimento hospitalar e destes, cerca de 2500 pacientes irão à óbito, seja de maneira direta ou indireta às lesões.
Nos primeiros 3-4 dias após o acidente, as causas de morte acontecem por hipovolemia relacionada à desidratação pela área atingida. Nos dias subsequentes, a principal causa de morte são as infecções oportunistas. Mais de 70% das infecções em queimados está relacionada com procedimentos comuns em hospitais, como a introdução de cateteres, entubações e traqueostomias.
Etiologia
O conhecimento da causa da queimadura é de grande valia na hora do diagnóstico e elaboração do tratamento. Dependendo da causa pode-se imaginar a extensão e profundidade da queimadura.
- Frio: períodos prolongados em contato com superfícies frias causam queimaduras muitas vezes mais graves que as queimaduras por calor. Por reduzir a sensibilidade da região, o indivíduo não percebe a formação da lesão e a queimadura acaba por se transformar em uma lesão bastante grave;
- Escaldadura: queimaduras por líquido aquecidos são as mais comuns, principalmente em crianças. Costumam atingir grandes extensões corporais por ter a característica de escorrer pela superfície;
- Chamas: apesar de estar intimamente relacionada com as queimaduras, de longe são as mais comuns, salvo os casos de suicídio;
- Sólido aquecido: superfícies superaquecidas são responsáveis por queimaduras mais localizadas e profundas;
- Gasoso: gases superaquecidos também são responsáveis por queimaduras em grandes extensões. Vale ressaltar que são responsáveis principalmente por queimaduras na face a nas vias aéreas, que são queimaduras consideradas gravíssimas.
- Corrente de baixa voltagem: são responsáveis por queimaduras de segundo e terceiro graus em regiões mais delimitadas, em geral nas periferias, como mãos e pés;
- Corrente de alta voltagem: são responsáveis por queimaduras extensas de terceiro grau, podendo levar à amputação imediata do membro e até a morte.
- Radiação ionizante: são radiações perigosas, pois atravessam a camada da pele podendo causar queimaduras em tecidos mais profundos além de alterações celulares permanentes. Esse tipo de queimadura é causada por exposição excessiva à agentes radioativos como o Raio X e o Raio Gama (Césio 137);
- Radiação não ionizante: mais superficiais, mas não menos perigosas, a radiação ionizante causa queimaduras na superfície tecidual por exposição excessiva. Deve-se ter mais cuidado com pessoas com redução de sensibilidade, elas são mais susceptíveis a esse tipo de queimadura:
- Raios solares: em geral as queimaduras por radiação solar são de primeiro grau, contudo, abrangem grandes extensões corporais;
- Raios infravermelho: são queimaduras mais profundas que as queimaduras por irradiação solar, contudo abrangem uma área mais limitada. Em geral são resultado de aplicação inadequada da terapia com infravermelho;
- Raios ultravioleta: a mais profunda das queimaduras por radiação não ionizantes. O tempo de exposição em relação às outras radiações é bem menor, e está relacionada principalmente com aplicação inadequada.
- Por substancia alcalina: apesar de não ser muito comum, é o tipo mais grave de queimadura. Além de penetrar profundamente na pele, a dificuldade de remoção do agente químico da região afetada acaba por transformar a queimadura em uma lesão crônica de difícil cicatrização. Os casos mais comuns de queimadura por substancia alcalina são a ingestão de soda cáustica, que causa queimaduras internas que geralmente levam à morte;
- Por substância ácida: além de corroer a pele de forma grave, levando geralmente a queimaduras de terceiro grau, ainda existe o risco de intoxicação da corrente sanguínea.
Classificação das lesões quanto sua profundidade
A pele é dividida em três camadas distintas: a epiderme, que é a camada mais superficial e mais fina, é constituída por tecido epitelial estratificado morto; a derme, que fica abaixo da epiderme, é formada por fibras colágenas, elásticas e reticulares, assim como por vasos sanguíneos, nervos, folículos pilosos e glândulas; e a hipoderme, que é a camada mais profunda, é formada principalmente por células adiposas.
A classificação pela profundidade se dá principalmente pelos níveis de camada de pele que são atingidos.
- 1° grau: é a queimadura mais superficial, atingindo principalmente a epiderme. Apresenta um eritema na região atingida, mas, por causar danos apenas na região morta da pele, não é responsável por alterações hemodinâmicas nem clínicas. Contudo, é a queimadura mais dolorosa, visto que as terminações nervosas ficam expostas. Temos como exemplo as queimaduras por radiação solar e por líquidos aquecidos, como o café.
- 2° grau: esta queimadura atinge a epiderme e a derme. Apresenta edema, eritema e formação de bolhas devido às lesões dos vasos sanguíneos da derme. Em consequência, haverá alterações hemodinâmicas e, dependendo da extensão e da causa, alterações clínicas. A dor é intensa, visto à lesão das terminações nervosas da derme, contudo, devido a destruição de algumas delas, a dor é menor que na queimadura de 1° grau. Temos como exemplo as queimaduras por líquidos ferventes e superfícies aquecidas.
- 3° grau: são queimaduras profundas, comprometendo as três camadas da pele, podendo ainda comprometer tecido celular subcutâneo, músculo, tecido ósseo, chegando até as amputações de membros. A aparência da pele é esbranquiçada, podendo apresentar áreas de necrose celular. Existe perda total da sensibilidade na região, visto a lesão completa das terminações nervosas, e as alterações hemodinâmicas são mais graves devido às lesões vasculares. Por causa da perda total de pele, o risco de infecções é muito grande. Os exemplos mais comuns são as queimaduras químicas, os grandes incêndios e os choques elétricos por alta voltagem.
Classificação das lesões quanto sua profundidade
Existem várias maneiras de avaliar a extensão de uma queimadura. A mais bruta delas é a regra dos nove, onde acontece uma divisão do organismo em quadrantes com valores de nove. É usada apenas para tomada de medidas urgentes, não sendo bastante precisa.
A outra maneira de avaliar a extensão da queimadura é a Tabela de Lund e Browder, que divide a superfície corporal em porcentagem. É a mais usada para diagnóstico das queimaduras e divide os pacientes em:
- Pequeno queimado: queimaduras de 1° e/ou 2° graus atingindo até 10% de segmento corporal queimado;
- Médio queimado: abrange indivíduos com queimaduras de 1 e/ou 2° graus em 10-26% de segmento corporal queimado, queimaduras de 3° grau independente da extensão, queimaduras de extremidades e queimaduras de córneas;
- Grande queimado: queimaduras de 1° e/ou 2° graus em mais de 26% do corpo, queimaduras de 3° grau em mais de 10% do corpo e queimaduras de períneo.
São considerados grandes queimados o paciente com queimaduras de qualquer extensão nas seguintes situações:
- Lesão inflamatória que necessite de intubação;
- Lesão de vias aéreas;
- Politraumatismo;
- Traumatismo craniano;
- Trauma elétrico com lesão grave;
- Paciente em choque;
- Insuficiência cardíaca e/ou pulmonar;
- Infarto agudo do miocárdio;
- Quadro infeccioso grave decorrente ou não da queimadura;
- Síndrome de doenças comportamentais - HIV
Períodos da queimadura
Para a assistência imediata da queimadura é necessário ter conhecimento das características hemodinâmicas que ela apresenta. Para isso, foi criado uma divisão em períodos para simbolizar didaticamente as etapas que acontecem.
1° período - até 12h: formação de edema local; vasodilatação local; aumento da pressão osmótica intersticial; aumento da permeabilidade vascular. Isso resulta na tentativa de hidratação na região da queimadura e consequente e progressiva desidratação corporal.
2° período - 12 a 24h: redução da perfusão tecidual; isquemia tecidual e necrose; déficit circulatório local e possivelmente orgânico; redução da diurese. Apresentação de um quadro de desidratação corporal.
3° período - após 24h: adesão de plaquetas e leucócitos à superfície das células endoteliais lesadas; marginalização de leucócitos na corrente sanguínea; hemostasia e trombose local; perda de pele. Indícios de início da cicatrização.
Cuidados gerais com o paciente queimado
- Caso o paciente apresente sinais de queimadura em vias aéreas ou inalação de fumaça, deve ser feita uma intubação preventiva;
- O paciente deve receber hidratação imediata, que deve ser dosada de acordo com a superfície corporal queimada;
- Nas primeiras horas o paciente deve ser mantida em dieta zero, visto a redução da motilidade gastrointestinal presente em lesões, onde o sangue será desviado para a área lesada;
- O metabolismo do queimado é aumentado para suprir a falta de proteção corporal, por esse motivo, após as primeiras horas, deve ser implementada uma dieta nutricional que supra o alto metabolismo;
- Devido à falta de proteção pela perda da pele, é necessário a administração de antibióticos tópicos para evitar infecções oportunistas.
Fisioterapia no centro de queimados
A fisioterapia deve ser inserida nas primeiras 24 horas de internação e tem como objetivos gerais:
- Prevenir deformidades ou contraturas;
- Reintegrar o paciente na sociedade;
- Estimular precocemente as atividades da vida diária;
- Prevenir úlceras de decúbito;
- Prevenir atelectasias e infecções respiratórias;
- Estimular precocemente a postura de sentar, a bipedestação e a deambulação;
- Melhorar a elasticidade músculo-tendínea e a nutrição dos tecidos articulares e funcionais;
- Prevenir complicações circulatórias;
- Prevenir o tromboembolismo venoso e pulmonar
Durante o período de enxertia, processo pelo qual o paciente passa por um procedimento cirúrgico para enxertar pele no local da queimadura, que dura de 4 a 5 dias, o membro que recebeu o enxerto deve ficar imobilizado.
A fisioterapia irá atuar dentro do centro cirúrgico confeccionando as órteses gessadas, imobilizando o segmento em extensão. O objetivo da órtese é o de estabilizar o membro, reduzir a dor, melhorar a função e proteger a área afetada, prevenir sequelas e deformidades
Após a cirurgia o fisioterapeuta é responsável pela posição no leito do paciente, que deve ser:
- Extensão de cervical
- Abdução de ombro
- Flexão de cotovelo
- Extensão de membros inferiores com elevação de 30°
Consiste na cinesioterapia isométrica, evoluindo para exercício passivo, ativo assistido, ativo livre e ativo resistido.
Tem como finalidade diminuir os processos álgicos; aumentar e manter a força e a resistencia muscular; aumentar ou manter a amplitude de movimento; reduzir edemas e derrames articulares; promover o alongamento e relaxamento articular; liberar as aderencias internas e externas; prevenir contraturas e deformidades; corrigir desvios posturais; desenvolver a coordenação motora e o equilibrio estático e dinamico; reeducar a marcha.
Quando houver queimaduras graves de face e pescoço, história de queimados em ambientes fechados, presença de pêlos nasais chamuscados, mudança de padrão respiratório, eliminação de secreção com fuligem e queimaduras periorais, deve-se suspeitar de lesões nas vias aéreas.
Neste caso, é de suma importancia a manutenção da permeabilidade das vias aéreas, podendo-se administrar oxigênio com catéter ou máscara e em casos mais graves, a intubação endotraquial.
A fisioterapia irá atuar tanto na manutenção do suporte respiratório, no desmame do suporte quanto no treinamento e reexpansão pulmonar, podendo ainda tratar de complicações respiratórias decorrentes da síndrome do imobilismo.
Para tanto, poderá usa técnicas desobstrutivas, manobras de reexpansão pulmonar e treinamento da musculatura.
A massagem deve ser realizada no período de cicatrização e no pós, para melhorar a sensibilidade da pele, melhorar a estrutura da cicatriz, prevenir e corrigir aderencias simples, estimular a circulação sanguínea da nova pele e reduzir o edema.
É importante tomar cuidado com a intensidade empregada na massagem, visto que a pele está muito frágil e debilitada, além dos enxertos que ainda estão se adaptando.
A balneoterapia pode ser realizada de duas maneiras: uma com anestesia, onde o cirurgião irá realizar procedimentos de desbridamento da pele queimada; e a sem anestesia, onde acontece apenas a limpeza da região afetada.
O fisioterapeuta tem função importante em ambas. Na balneoterapia anestésica, o fisioterapeuta irá realizar avaliação e reavaliação da área queimada, cinesioterapia passiva para membros superiores e inferiores, confecção de órtese gessada e orientação durante o curativo, visando possíveis liberações das articulações acometidas.
Na balneoterapia sem anestésico, o fisioterapeuta irá realizar avaliação e reavaliação da área queimada, cinesioterapia ativa e ativa assistida para membros superiores e inferiores e orientação durante o curativo, visando possíveis liberações das articulações acometidas.
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