terça-feira, 8 de outubro de 2013

Traqueostomia

Traqueostomia é o procedimento cirúrgico que consiste na abertura da parede anterior da traqueia, comunicando-a com o meio externo, tornando a via aérea pérvia. Trata-se de um dos procedimentos cirúrgicos mais antigos, com relatos em livros de medicina hindu nos anos 1500 A.C.
A primeira descrição cirúrgica bem sucedida foi relatada em 1546, atribuída ao médico italiano Antonio Musa Brasalova. Apesar desse sucesso, a traqueostomia foi raramente utilizada nos séculos seguintes, pois acreditava-se que qualquer procedimento realizado na traqueia era igual a sentença de morte.
Em 1850, na Europa, com a epidemia de difteria, a traqueostomia tornou-se popular na prática médica. Contudo, com o controle da difteria através de antibióticos e antitoxina, o procedimento cirúrgico entrou em desuso.
Somente em 1923, Chevalier Jackson padronizou a traqueostomia, descrevendo detalhes da técnica cirúrgica, as indicações e as complicações, reduzindo, assim, o índice de mortalidade de 25% para apenas 2%. Essa técnica persiste praticamente inalterada até os dias atuais.
Em meados da década de 1960, com o advento dos ventiladores mecânicos e o surgimento das unidades de terapia intensiva (UTI), a traqueostomia finalmente conquistou espaço no tratamento de pacientes críticos.


1 Classificação das traqueostomias

Didaticamente, a traqueostomia pode ser classificada de acordo com a finalidade, ao tempo apropriado à realizá-la e o tempo de permanência. 
  • Quanto à finalidade:
    • Preventiva: complementar a outros procedimentos cirúrgicos que podem gerar obstrução das vias aéreas ou dificuldade respiratória. Por exemplo, em laringectomias parciais, ressecção de tumores na cavidade oral ou de orofaringe que geram edemas obstrutivos;
    • Curativa: situações onde assegura a manutenção das vias aéreas como na obstrução laríngea por neoplasia, estenoses laringotraqueais,  ou processos infecciosos que causam edema de glote;
    • Paliativa: utilizada em pacientes terminais, com o intuito de promover conforto respiratório;
  • Quanto ao tempo para sua realização:
    • Urgência: quando o paciente necessita de intervenção cirúrgica rápida devido a um quadro de insuficiência respiratória, como na asfixia por corpo estranho, edema causado por queimaduras;
    • Eletiva: realizada em paciente com vias aéreas já controladas, ou seja, aqueles já intubados. O tempo médio do procedimento varia entre 2 a 14 dias após a entubação. Segundo o III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica, a traqueostomia precoce (até 48h após início da ventilação) deve ser realizada em pacientes com previsão de passar mais de 14 dias entubado. 
  • Quanto ao tempo de permanência:
    • Definitiva: passam a ser a via de ventilação permanente, como ocorre com os laringectomizados totais;
    • Temporária: é a via de ventilação por um determinado período, sendo desmamada de acordo com a evolução clínica do paciente.

2 Indicação

A traqueostomia tem como objetivo primário servir como alternativa artificial e segura para a passagem do ar. As indicações para a realização da traqueostomia podem ser agrupadas da seguinte maneira:
  • Permitir ventilação mecânica em intubações orotraqueais prolongadas;
  • Manobra para liberar uma obstrução de vias aéreas;
  • Permitir higiene pulmonar, incluindo indivíduos com aspiração laringotraqueal;
  • Permitir ventilação em pacientes com debilidade na musculatura respiratória.

3 Benefícios

  • Acesso às vias aéreas inferiores para aspiração e remoção de secreção;
  • Redução do espaço morto fisiológico ou artificial;
  • Via aérea estável;
  • Permite a fonação em alguns casos;
  • Permite a alimentação por via oral;
  • Redução do risco de pneumonia associada à ventilação mecânica;
  • Redução do tempo de ventilação mecânica;
  • Redução do tempo de internamento nas UTIs;
  • Redução da mortalidade.

4 Complicações

Como qualquer procedimento cirúrgico, a traqueostomia não está isenta de complicações. A incidência de morbidades decorrentes da traqueostomia varia de 4% a 10% e a mortalidade é menor que 1%.
As complicações podem ser divididas em:
  • Imediatas: ocorrem durante o procedimento cirúrgico
    • Parada respiratória: ocorre quando, durante o ato cirúrgico, se oferece aporte de oxigênio para o paciente com hipoventilação. Nesta situação, o oxigênio inibe o centro respiratório, ocasionando a parada;
    • Edema agudo de pulmão: se apresenta quando se faz abruptamente a reversão de um quadro obstrutivo de vias aéreas. A inspiração forçada decorrente da obstrução aumenta a pressão intratorácica. Quando essa obstrução é desfeita, a pressão intratorácica cai abruptamente, aumentando o retorno venoso e a pressão hidrostática da artéria pulmonar, ocorrendo, consequentemente, o extravasamento de transudato;
    • Hemorragia de vasos tireoidianos e cervicais;
    • Broncoaspiração de sangue;
    • Lesão do nervo laríngeo: podendo ser uni ou bilateral;
    • Lesão de esôfago com fístula traqueoesofágica;
    • Pneumotórax: mais comum em crianças;
    • Falso trajeto para o mediastino.
  • Precoces: ocorrem nos primeiros 6 dias
    • Hemorragias ou formação de hematomas: sangramentos geralmente decorrentes de lesão na veia jugular anterior ou no ístmo da tireóide;
    • Infecção: que podem ter acontecido durante o procedimento cirúrgico ou durante aspiração de vias aéreas;
    • Falso trajeto por deslocamento da cânula traqueal;
    • Obstrução da cânula por rolhas ou secreção;
    • Enfisema subcutâneo;
    • Pneumomediastino.
  • Tardias: ocorridas após o sétimo dia de pós-operatório
    • Hemorragias: causadas pelo trauma direto da cânula em grandes vasos. Estão associadas às traqueostomias realizadas abaixo do quarto anel;
    • Fístula traqueoesofágica;
    • Estenose subglótica ou traqueal;
    • Traqueomalácia;
    • Fístula traqueocutânea: após decanulação;
    • Cicatriz hipertrófica: após decanulação;
    • Distúrbios de deglutição: aspiração laringotraqueal e pneumonia aspirativa

5 Tipos de cânulas

Desde o século XVI, quando a primeira cânula foi descrita, todos os tubos eram feitos de metal. Esses tubos possuíam uma cânula interna que podia ser removida para limpeza. Ainda hoje são muito usados, principalmente entre pacientes que utilizam traqueostomos definitivos, devido à facilidade de higiene.
Em fins da década de 1960, começaram a ser experimentadas as cânulas plásticas que possuíam um balonete (cuff) com a função de ocluir as vias aéreas a fim de permitir a ventilação mecânica com pressão positiva, além de minimizar a aspiração de secreções de orofaringe. Porém, esses cuffs eram constantemente associados a uma alta incidência de estenose traqueal, devido às altas pressões desses balonetes.
Atualmente, os cuffs possuem um grande volume e baixa pressão, mas não eliminam os problemas focais de isquemia da traqueia. Deve-se manter a pressão ideal  do cuff em 25 mmH2O ou mínimo necessário para que não haja escape de ar durante a ventilação mecânica.
Há ainda uma série de outros tipos de tubos e cânulas disponíveis, que variam de acordo com o material utilizado até o diâmetro. Existem, ainda, tubos de metal que possuem uma válvula ou fenestração em sua porção posterior que permitem a fonação. 

6 Evolução e prognóstico

A traqueostomia pode ser usada por um período indefinido de tempo, sendo sua retirada dependente principalmente da causa de base que levou a sua realização. A dificuldade da retirada da cânula ocorre nas seguintes situações: 
    • Persistência da causa que levou à traqueostomia;
    • Deslocamento da parede anterior da traqueia, obstruindo a luz traqueal;
    • Edema de mucosa;
    • Intolerância ao aumento da resistência da passagem do ar pelas vias aéreas superiores;
    • Estenoses;
    • Traqueomalácea.
A retirada ou a redução do número da cânula devem ser feitas tão logo o paciente tenha a função respiratória recuperada ou melhorada. É importante frisar que o paciente deve estar em ar ambiente e saturando acima de  95%.
No paciente adulto, deve-se desinsuflar o cuff, aspirar o traqueostomo para em seguida ocluir a cânula e observar o paciente durante 24h. Se a saturação de oxigênio se manter estável, acima de 91%, sem alterações, pode-se realizar a decanulação. Deve-se fazer um curativo compressivo no local do orifício, que cicatrizará por segunda intensão em até uma semana.
Nas crianças, é necessário a redução da cânula ao mínimo antes da oclusão, visto que o calibre da cânula no paciente pediátrico ocupa um volume muito grande da traqueia.

Neste link é possível acessar uma cartilha criada pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) em parceria com o Ministério da Saúde com orientações específicas à pessoa traqueostomizada: http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/manuais/pessoatraqueostomizada.pdf


7 Referências

  1. RICZ HMA; MELLO-FILHO FV; CONTI DE FREITAS LC; MAMEDE RCM. Traqueostomia. Medicina, Ribeirão Preto, 2011; 44(1): 63-9
  2. VIANNA A; PALAZZO RF; ARAGON C. Traqueostomia: uma revisão atualizada. Pulmão, Rio de Janeiro, 2011; 20(3):39-42
  3. SCARTEZINE HC. Traqueostomia e abordagem fisioterapêutica: revisão literária. 2007. 44f. Instituto de Fisioterapia, Faculdade Assis Gurgacz, Cascavel, 2007.
  4. CURCIO A. Traqueostomias. ORL-HCFMUSP, São Paulo, 2003.

4 comentários:

  1. TRAQUEOSTOMIA E UM OROSSEDIMENTO MEDICO?

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  2. traqueostomia e um procedimento medico?

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    1. Sim, a traqueostomia só pode ser realizada por um médico, de preferência um cirurgião. Em casos de emergência, contudo, pode ser realizada por um médico de qualquer especialidade.

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  3. Como o fisioterapeuta atua nesse procedimento?

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