terça-feira, 9 de abril de 2013

A marcha humana normal


A marcha é uma tarefa motora que envolve um padrão complexo de contrações musculares em diversos segmentos do corpo. Pensando em termos biomecânicos, a marcha pode ser vista como o deslocamento do centro de gravidade do corpo através do espaço com o menor consumo de energia possível.

*Passo: distância entre o toque do calcanhar de um pé e o toque seguinte do calcanhar do outro pé.

*Passada: distancia entre o toque do calcanhar de um pé e o toque seguinte do calcanhar deste mesmo pé. Uma passada corresponde a dois passos.


1 Requisitos para a realização da marcha

Para que a marcha individual possa ser realizada dentro dos padrões considerados normais, é necessário que quatro critérios estejam em harmonia:
  • Integridade músculo-esquelética: todo o sistema músculo-esquelético, e isso inclui ossos, músculos e articulações, devem estar em perfeito estado físico e integrados entre si;
  • Controle neurológico: o comando cerebral e a resposta muscular devem estar em perfeita sintonia e sem nenhuma condição patológica, assim como a propriocepção do indivíduo e os estímulos visuais, vestibulares, auditivos, sensitivos e motores;
  • Equilíbrio: capacidade de o indivíduo assumir e manter ortostatismo;
  • Locomoção: capacidade de iniciar e manter um movimento.

2 Ciclo da marcha

Período que compreende desde o contato de um pé ao solo até o contato seguinte desse mesmo pé. É a descrição de eventos ocorridos em um membro inferior entre dois contatos consecutivos de um mesmo pé.
O ciclo da marcha é dividido em duas fases bem distintas: a fase de apoio, onde o pé toca o solo; e a fase de balanço, onde o pé não está em contato com o solo.

2.1 Fase de apoio
  • Toque do calcanhar: o ciclo começa assim que o calcanhar do membro referido toca o solo;
  • Fase de contato: fase onde o pé estará plano e em contato com o solo. Nesta fase, o peso corporal está distribuído por toda a superfície plantar;
  • Apoio médio: o pé ainda estará em total contato com o solo, porém o peso corporal será transferido para a região anterior do pé;
  • Saída do calcanhar: fase em que o calcanhar se desprende do solo. Nesta fase, a tíbia é deslocada anteriormente;
  • Propulsão: o pé perde contato com o solo e começa a fase de balanço. Neste momento, o corpo do indivíduo é impulsionado para frente.

2.2 Fase de balanço
  • Aceleração: fase em que o pé se eleva do solo e acelera para frente e para cima;
  • Oscilação média: ápice da aceleração do segmento. Neste momento alcança a maior elevação em relação ao solo;
  • Desaceleração: período em que o segmento desacelera o movimento e segue até que o calcanhar toque o solo e comece outro ciclo da marcha

3 Ativação muscular durante a marcha

As ações musculares na marcha humana ocorrem para: aceleração dos segmentos, frenagem moderada de uma aceleração, amortecimento dos choques e vibrações, e garantia de estabilidade articular.
A ação concêntrica dos músculos está presente tanto no início da fase de apoio como no início da fase de balanço. Serve para a impulsão e aceleração do segmento no inicio da oscilação e na transferência de peso durante a fase de duplo apoio.
A maior parte das ações musculares na marcha são isométricas ou excêntricas. Elas ocorrem para equilibrar e desacelerar os deslocamentos dos segmentos corporais e do centro de gravidade. O trabalho permite a absorção e o armazenamento de energia elástica.

3.1 Tibial anterior
É ativado de forma isométrica. O maior pico de contração desse músculo é durante a fase de apoio inicial. Na fase de contato atua de forma excêntrica durante o aplanamento do pé. Na passagem para o apoio médio, vai atuar de forma concêntrica ajudando no avanço da tíbia. Na fase de balanço, para evitar que o pé caia, vai realizar contração isométrica para mantê-lo na posição neutra.

3.2 Tríceps sural
Sua atividade inicial acontece na fase de contato, com o pé plano, atuando excentricamente para retardar e controlar o avanço da tíbia. Na fase de elevação do calcanhar e propulsão, irão atuar de forma concêntrica para elevar o calcanhar do solo e iniciar a fase de aceleração e balanço.

3.3 Quadríceps
Atuam isometricamente na fase de contato inicial. Já na fase de duplo apoio, atua excentricamente para frear a flexão de joelho. Atuarão de forma concêntrica na fase de desaceleração estendendo o joelho, para iniciar a fase de contato inicial.

3.4 Isquiotibiais
Começam a trabalhar isometricamente na fase de contato inicial, freando a flexão do quadril. Na fase de balanço atua flexionando o joelho na fase de aceleração até a oscilação média. A partir da oscilação média até a oscilação final irá atuar excentricamente, controlando a extensão do joelho e desacelerando o segmento.

3.5 Abdutores
Se contraem para estabilizar a pelve durante a fase de contato inicial e na fase de apoio único.

3.6 Adutores
Se contraem para estabilizar a pelve durante a fase de contato inicial e na fase de aceleração flexionando o quadril.

3.7 Fibulares
Possui atividade semelhante a do tríceps, com a contração iniciando na fase de apoio e indo ao máximo na elevação do calcanhar.

3.8 Glúteo máximo
Começa ao toque do calcanhar ao solo, de forma isométrica, impedindo a flexão da pelve, e vai até a fase de apoio médio, de forma concêntrica, promovendo a extensão da pelve.

3.9 Eretores da espinha
Mantém uma atividade constante durante a marcha, com picos de contração nas fases de contato inicial e apoio médio.

4 Principais deslocamentos do corpo durante o ciclo da marcha

  • Pelve: se inclina, gira e oscila;
  • Membros inferiores: se deslocam nos três planos espaciais, fazendo flexão e extensão, adução e abdução e as rotações mediais e laterais;
  • Cintura escapular: realiza rotação contralateral à pelve, dissociação;
  • Membros superiores: balançam em direção contrária aos movimentos pélvicos e de membros inferiores.

5 Visualização da marcha nos planos

  • Sagital: oscilação vertical da cabeça e pelve;
  • Frontal: oscilação lateral da cabeça e pelve;
  • Horizontal: rotação da cintura escapular e da cintura pélvica.

6 Avaliação fisioterapeutica da marcha

A avaliação da marcha é fundamental na descoberta de causas de patologias músculo-esqueléticas, nas causas de alterações posturais, e no plano de tratamento e treinamento de desportistas.
Existem vários métodos para se avaliar a marcha. É interessante que o paciente seja avaliado antes mesmo de entrar no consultório, visto que ele tenderá a corrigir a passada quando estiver sendo avaliado.

6.1 Exame físico
  • Força muscular: uso da escala de oxford;
  • Controle moto-neural: teste da resposta neuronal a um estímulo externo (reflexo tendíneo);
  • Goniometria: medidas de mensuração da amplitude articular;
  • Antropometria estática e dinâmica: medidas de comprimento de segmentos corporais.

6.2 Vídeo
Paciente estará utilizando o mínimo de roupas possível e será gravado um vídeo da sua deambulação em um espaço durante um período determinado. Serão avaliados os padrões posturais, o posicionamento articular, a mobilidade e dissociação da cintura escapular e pélvica, vício de marcha.
Este exame também pode ser realizado apenas a olho nu.

6.3 Medições temporais
  • Comprimento do ciclo de marcha (passada)
  • Comprimento do passo
  • Largura do passo
  • Cadência – passos/minuto
  • Velocidade – cadência x comprimento do passo

6.4 Eletromiografia
  • Fases de ativação muscular
  • Tempos musculares

6.5 Potência muscular
  • Gerada: concêntrica
  • Absorvida: excêntrica

6.6 Gasto energético
  • Consumo de O2
  • Economia muscular: pode ser conseguida pela estabilidade articular resultante da adequada colocação no espaço + a direção da força de reação ao solo + trabalho ligamentar
  • Alongamento muscular: 3x mais eficiente que seu encurtamento

6.7 Baropodometria
  • Distribuição do peso corporal sob a superfície plantar;
  • Tipo de pé;
  • Desvios patológicos do pé.

Referências

SOUSA, ASP; TAVARES, JMRS. Controle postural e marcha humana: análise multifactorial. Universidade do Porto, 2010.
MANN, L; TEIXEIRA, CS; MOTA, CB. A marcha humana: interferências de cargas e de diferentes situações. Unipar, nol. 12, nº 3, 2008.
MAFRA, NR. Processamento de sinal na avaliação clínica da marcha humana. 2012. 46f. Dissertação (Mestrado integrado em Bioengenharia). Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Porto, 2012.
SOUSA, ASP; TAVARES, JMRS. A marcha humana: uma abordagem biomecânica. 1º ICH Gaia-Porto, 2010.
PIFFER, G; BALBINOT, A. Desenvolvimento de um protótipo de plataforma de força de pequeno porte para marcha humana. UFRGS, 2010.

sábado, 6 de abril de 2013

Adaptações cardiovasculares ao exercício físico


O exercício físico caracteriza-se por uma situação que retira o organismo da sua homeostase, pois implica no aumento da demanda energética da musculatura exercitada e, consequentemente, do organismo como um todo. Desta maneira, para suprir a demanda metabólica, várias adaptações fisiológicas são necessárias.
Para que esta homeostasia seja mantida, tanto o sistema respiratório quanto o sistema cardiovascular devem funcionar em conjunto liberando quantidades suficientes de oxigênio e nutrientes e removendo produtos do metabolismo de outros tecidos do organismo.
O aumento da necessidade de oxigênio como uma conseqüência do exercício físico é um dos principais desafios da homeostasia metabólica, uma vez que a demanda pode ser de 15 a 25 vezes maior que a demanda no repouso.

1 Adaptações cardiovasculares agudas ao treinamento

As respostas cardiovasculares agudas variam de acordo com o tipo, intensidade e duração do exercício e a massa muscular relacionada.

1.1 Tipo de exercício
  • Exercícios estáticos – isométricos: observa-se aumento da FC com manutenção ou até redução do VS e pequeno acréscimo do DC. Em compensação, verifica-se aumento da resistência vascular periférica, que resulta na elevação da PA sistêmica. Esses efeitos ocorrem porque a contração muscular mantida durante a contração isotônica promove obstrução mecânica do fluxo sanguíneo muscular, o que faz com que os metabólicos produzidos se acumulem, ativando quimiorreceptores musculares que promovem aumento expressivo da atividade nervosa simpática.
  • Exercícios dinâmicos – isotônicos: durante este tipo de exercício, as contrações musculares são seguidas da movimentação articular, o que impede o aumento da resistência vascular periférica pelo bloqueio vascular imposto pela contração muscular, além da produção de metabólicos musculares que promovem a vasodilatação. Neste tipo de exercício, também se observa aumento da atividade nervosa simpática, que é desencadeada pela ativação do comando central, mecanorreceptores musculares e, dependendo da intensidade do exercício, metaborreceptores musculares, o que leva ao aumento da FC, do VS e do DC.

Embora as respostas cardiovasculares sejam distintas dependendo do tipo de exercício escolhido, na prática os exercícios realizados possuem características mistas, de modo que as respostas cardiovasculares irão depender da contribuição de cada um desses componentes na atividade. Por exemplo, os exercícios de musculação, quando executados em alta intensidade, apesar de serem feitos de forma dinâmica, apresentam componente isométrico bastante elevado, portanto, irão desencadear alterações referentes a este tipo de exercício. Em contrapartida, os exercícios aeróbicos apresentam mais características dinâmicas que estáticas, o que ocasionará alterações mais relacionadas com os exercícios dinâmicos.

1.2 Intensidade X duração
Quanto maior a intensidade, maior as alterações.
Quanto maior a duração com alta intensidade, maior as alterações.
Se a intensidade for inferior ao limiar anaeróbio, as alterações não irão acontecer, mesmo se o exercício for realizado em longa duração.

1.3 Massa muscular
Quanto maior a massa muscular exercitada de forma dinâmica, maior é o aumento da FC, mas menor é o aumento da PA.

1.4 Hipotensão pós-exercício
Caracteriza-se pela redução da PA durante o período de repouso, fazendo com que os valores pressóricos observados pós-exercício sejam inferiores aos valores antes do exercício ou até mesmo menor que os valores medidos em um dia controle, sem exercícios físicos.
Para que a hipotensão pós-exercício tenha importância clínica, é necessário que ela tenha grande magnitude e/ou perdure por mais de 24h.
A hipotensão pós-exercício é mais comum em exercícios aeróbios com intensidade leve a moderada, porém em longas durações. Contudo, exercícios resistidos de baixa ou alta intensidade podem reduzir a PA sistólica.
Independente do mecanismo hemodinâmico sistêmico, a resistência vascular estará reduzida após o exercício e isto se deve à vasodilatação muscular mantida após o exercício.

2 Adaptações cardiovasculares crônicas ao exercício


Em resposta ao treinamento físico, algumas alterações cardiovasculares acontecem. Uma resposta aguda é aquela que servirá tanto para uma pessoa sedentária quanto para um atleta ao realizar a mesma atividade física. A resposta crônica, por sua vez, é a adaptação da estrutura e sua função após a realização contínua de determinada atividade física e isso se dá através do treinamento.

2.1 Volume plasmático
O treinamento de endurance faz o aumentar o volume sanguíneo, sendo que esse efeito é maior com o treinamento intenso.
  • O exercício aumenta a liberação do hormônio antidiurético e da aldosterona, o que impede a dispersão de líquidos
  • O exercício aumenta a quantidade de proteínas plasmáticas, principalmente da albumina, que são responsáveis pela pressão osmótica do sangue
  • O número real de eritrócitos aumenta com o treinamento de endurance, contudo, se comparada com o aumento do volume plasmático, este diminui
A relação entre o aumento do volume plasmático e do volume celular resultam em uma aumento da porção líquida sanguínea, o que reduz a viscosidade do sangue, o que, consequentemente, pode facilitar o movimento do sangue nos vasos sanguíneos.

2.2 Hipertrofia excêntrica
O músculo cardíaco, assim como o músculo esquelético, sofre hipertrofia como resultado do treinamento de endurance crônico. O ventrículo esquerdo, que é a câmara cardíaca que tem trabalho mais intenso, é quem sofre as maiores alterações, podendo ter aumento de seu volume em até 85% de seu tamanho normal.

2.3 Volume de ejeção
Como resultado do treinamento de endurance, o volume de ejeção apresenta um aumento global. A massa muscular ventricular aumentada pode produzir uma contração mais forte.
Este aumento de contratibilidade aumenta, consequentemente, a retração elástica do miocárdio, que resulta em um maior enchimento diastólico. Uma maior quantidade de sangue entra no ventrículo esquerdo e uma maior porcentagem do sangue que entra é expulsa do ventrículo a cada contração, aumentando assim o volume de ejeção.
  • Mecanismo de Frank-Starling: o principal fator no controle do volume de ejeção é a magnitude do volume de distensão. Quando o ventrículo se distende mais, ele se contrai com mais força.
  • Aumento do volume plasmático: a maior quantidade de sangue que entra no ventrículo aumenta a distensão das paredes ventriculares.

2.4 Frequência cardíaca
  • De repouso: Pode diminuir acentuadamente como resultado do treinamento de endurance. A freqüência cardíaca de repouso pode diminuir cerca de 1bpm por semana, durante as primeiras semanas de treinamento. Os mecanismos reais para essa diminuição não são totalmente conhecidos, mas parece que o treinamento aumenta a atividade parassimpática no coração, ao mesmo tempo em que diminui a atividade simpática.
  • Sub-máxima: o maior condicionamento aeróbico resulta numa freqüência cardíaca proporcionalmente menor numa determinada taxa de trabalho. Essas diminuições indicam que o coração se torna mais eficiente com o treinamento.
  • Máxima: tende a ser estável e geralmente permanece relativamente inalterada após um treinamento de endurance.

2.5 Recuperação da freqüência cardíaca
Após uma atividade física a freqüência cardíaca não volta ao seu estado de repouso imediatamente. Em vez disso, ela permanece alta por algum tempo, retornando lentamente ao seu nível de repouso.
Após um período de treinamento, a freqüência cardíaca volta muito mais rápido ao seu nível de repouso que antes do treinamento. Desta maneira, sua mensuração tem sido utilizada como indicador das alterações cardiovasculares ao exercício.
Vários fatores, além do nível de treinamento podem alterar a recuperação da freqüência cardíaca de repouso:
  • Ambientes quentes ou altitudes elevadas
  • Alta responsividade simpática

2.6 Interações entre a freqüência cardíaca e o volume de ejeção
Durante o exercício, a freqüência cardíaca combina com o volume de ejeção para fornecer um débito cardíaco adequado para a taxa de trabalho a ser realizada.
  • Se a freqüência cardíaca for muito elevada, a diástole é reduzida e o volume de ejeção pode ser diminuído
  • Se a freqüência cardíaca for baixa, a diástole é maior e o volume de ejeção aumenta
A combinação do volume de ejeção aumentado e da frequência cardíaca diminuída é uma forma muito eficaz para que o coração satisfaça as demandas do corpo. O coração despende menos energia contraindo mais forte e com menos freqüência em resposta ao treinamento que se a freqüência cardíaca aumentasse.
Alterações da freqüência cardíaca e do volume de ejeção em resposta ao treinamento ocorrem concomitantes e com o mesmo objetivo: aumentar a quantidade de sangue oxigenado expulso do coração com o menor gasto energético.

2.7 Débito cardíaco
Quando em repouso ou durante um exercício submáximo, o débito cardíaco não altera muito após o treinamento de endurance. Contudo, o débito cardíaco aumenta com taxas máximas de trabalho. Esse aumento é resultante principalmente do aumento do volume de ejeção.

2.8 Fluxo sanguíneo
Músculos ativos necessitam de quantidade de oxigênio e de nutrientes consideravelmente maiores. À medida que os músculos se tornam mais bem treinados, o sistema cardiovascular se adapta para aumentar o fluxo de sangue para a região. Quatro fatores são responsáveis por esse aumento de suprimento:
  • Aumento da capilarização muscular
  • Maior abertura dos capilares existentes nos músculos treinados
  • Redistribuição sanguínea mais efetiva
  • Aumento do volume sanguíneo

2.9 Pressão arterial
Durante os exercícios de endurance observa-se um aumento da pressão arterial sistólica e manutenção ou redução da pressão diastólica. No entanto, a pressão arterial de repouso, tanto sistólica como diastólica, diminuem. Os mecanismos para essa redução ainda são desconhecidos.